As viagens e os medos
Nosso bravo viajante enviou a correspondência da semana sem fazer qualquer menção às suas férias em Corfu. Veja na sequência.
Querido Mr. Miles: sou uma fã assídua de sua coluna, que me realiza um desejo antigo: viajar. Na verdade, nunca consegui sair do Brasil, a não ser pelos livros e filmes. O problema não é falta de dinheiro. Embora eu não seja exatamente rica, daria para viajar. A questão é que sou uma pessoa muito medrosa. Temo pela minha saúde e pela minha vida e não gosto de correr riscos. Já fiz análise e até hipnose, mas nada resolveu. Ainda bem que tenho seus artigos. Grata,
Célia Moraes Androni, por email
Well, my dear: seu email deixa-me profundamente dividido. É incomparável a sensação de ser útil para alguma pessoa, como você deixa claro. E por isso, I thank you. However, tenho certeza de que eu teria uma felicidade muito maior caso você tivesse conseguido superar seus problemas de insegurança. Viver com medo, I presume, deve ser um grave aleijão. Talvez pior do que ter limitações físicas. Conheço, by the way, inúmeras pessoas com deficiências incuráveis que, entretanto, não abdicam do prazer de conhecer o mundo que para elas — e todos nós — alguém decidiu criar. Já mencionei, for instance, o caso de minha querida amiga Alice, que apesar da cegueira, enxerga todos os lugares para onde vai com imensa acuidade. Vê pelas mãos, pelos ouvidos, pelo nariz e pela boca. E, melhor: vê com detalhes, além mesmo do que muitos turistas sem problemas oftalmológicos alcançam.
Quantas pessoas, dear Célia, também viajam sem poder usar as pernas ou os braços? And you know what? Eles não perdem nada por isso. Já vivem com suas condições em casa ou no bairro. Já estão habituados a elas como nós, que temos pernas, estamos habituados a caminhar. Que diferença faz, therefore, se continuarem vivendo como vivem em Osasco, Paris ou Vladivostok?
O problema que você me apresenta é o medo. Ou seja: a sensação de que alguma coisa desagradável (ou terrível) vai lhe ocorrer quando estiver longe de sua rotina e de suas referências. Pois eu lhe digo de coração, darling, que pessoas como você tem um caminho simples para a recuperação. Trata-se, apenas — e eu imagino como isso é difícil — de superar a parede invisível que a separa do mundo. É preciso jogar-se sobre ela, para ver que ela não quebra como se fosse um vidro que a deixasse ferida. Que ela não é suficientemente sólida para obstar sua força de vontade. E, finally, que ao superá-la, ela sumirá de sua cabeça como por milagre.
Temos, todos, medo da morte que não conhecemos. Isso, unfortunately, não nos impedirá de morrer mais cedo ou mais tarde. Mas passar dia após dia com essa angústia primeva faria como que todos enlouquecessemos.
Meu saudoso amigo Nelson Montag — a quem costumo citar pela sabedoria —, disse-me, certa vez, que o medo e a insegurança são apenas estados de espírito. Há pessoas que vivem encastaledas em apartamentos nos andares mais elevados de prédios que contam com os mais modernos equipamentos e o mais treinado pessoal para protegê-las. E, ainda assim, não tem a paz que seu dinheiro paga.
Outras, however, sentem-se absolutamente seguras e felizes em suas casas protegidas pela enorme força de um pincher ou de um buldogue francês. In other words: não são os riscos que tornam os seres humanos mais ou menos indefesos: é, apenas o que lhes vai dentro da cabeça.
Asseguro-lhe, my dear, que não tenho a pretensão de mudar sua vida com minha psicanálise de botequim — ou de pub, no meu caso.
Nevertheless, se algum dia eu tiver a honra de encontrá-la em qualquer parte do mundo que não seja sua própria casa, vou ficar profundamente lisonjeado. Mesmo que isso me custe perder uma leitora.
Fonte: Facebook
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