sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

MR. MILES


A FRAGILIDADE DE VIVER
Prezado mr. Miles: acabo de voltar da Itália e fiquei muito impressionado com as ruínas de Pompéia. Minha mulher e alguns amigos, porém, não gostaram nada do passeio, porque acham fora de propósito fazer turismo onde milhares de pessoas morreram. Qual é a sua opinião sobre o assunto?
Clóvis Barbieri, por email

Well, my friend: como todos sabem, nosso pequeno e contraditório planeta é uma obra que não pára de reinventar-se. Unfortunately, quase todas as atrações do mundo contam, a partir de sua própria existência, a história de escravidão, mortes, tragédias e subjugamentos. Entre elas, for instance, as Pirâmides do Egito, a Muralha da China, as ruínas de Machu Picchu and so on.

Não entendo o fato de visitar esses lugares como profanação. Deles, sometimes, conseguimos aprender. A eles podemos reverenciar ou temer. Há, besides, uma certa curiosidade perversa que nos motiva a percorrer áreas que vimos serem assoladas por catástrofes diversas. Estão sempre lotados os tours que percorrem os bairros destruídos pelo furacão Katrina, em New Orleans. E assim estiveram os mirantes sobre os escombros do World Trade Center, em Nova York.

My old friend, mr. Paul Spot, músico e comentarista esportivo, esteve recentemente em Cu Chi, 60 quilômetros ao norte de Ho Chi Min, no Vietnã. Ali, segundo me contou, existia um complexo de túneis que escondia soldados e civis durante a guerra que dilacerou aquele pais. Milhares de pessoas perderam sua vida dentro deles, durante bombardeios aéreos. Hoje, um pequeno trecho restaurado pode ser visitado pelos turistas que pagam 25 dólares, incluindo o transfer desde a capital. Os guias, quase sempre uniformizados, fazem questão de não mostrar qualquer rancor quanto ao passado. Permitem até que, ao final do percurso e por um dólar extra, o visitante possa experimentar a sensação de dar um tiro com um fuzil AK-47, o preferido dos vietcongs durante o embate (which was amazing, according to Paul).

Eu mesmo, my friend, estive, há dois ou três anos, em um infâme tour por Chernobyl, na Ucrânia. Há inúmeros deles que partem diariamente de Kiev para a usina nuclear cuja explosão — 400 vezes mais radioativa do que a bomba de Hiroshima —, causou cerca de 4000 mortes e envenenou uma região inteira. O tour inclui uma visita à cidade de Pripyat, hoje sem nenhum habitante, uma visita ao reator 4 (ou ao que dele se poder ver) e à outras evidências da catástrofe ocorrida em 1986. Cada visitante ganha um contador geiger para controlar o nível de radiação em seu corpo (porque ela continua presente) e o passeio inclui, oh my God, um lanche no local. A agencia de turismo garante, ao menos, que nenhum dos ingredientes do pequeno repasto foi plantado ou criado na região.

As you see, Clóvis, certas visitas — das quais, sem nenhuma sombra dúvida, o complexo de campos de concentração de Auschwitz-Birkenau, próximo a Cracóvia, é a mais forte e pungente —, fazem de Pompéia uma dor tão antiga que é como se ela nem mesmo tivesse existido. Visitá-la, however, faz com que compreendamos a condição frágil e transitória da vida. Que, só por isso, já merece ser aproveitada como a melhor das viagens.

Fonte: Facebook

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