Prumo
Querido mr. Miles: tenho pensando em fazer uma viagem para a Polônia, de onde vieram meus antepassados. O que o senhor tem a me dizer sobre esse país?
Janaina Wierchowski, por email
Well, my dear: a Polônia é um país para sensações extremadas. “Setenta por cento dos poloneses vão à missa aos domingos”, disse-me o ex-diplomata mr. Collins, a good old friend, quase envergonhado de sua própria negligência com relação a Deus.
É apenas um prólogo para o dia santo que ainda terá muita vodka, bigos, pierogi e outras especialidades da rústica cozinha polonesa, pesada e gordurosa como indicado a um país de invernos prolongados e inclementes. O fervor cristão dos poloneses é um traço nacional. Equivale à fleugma de meus compatriotas, ao calor polemista dos espanhóis ou à disciplina germânica. O país, you will see, é um apinhado de santuários, mosteiros e calvários. A peregrinação anual ao Monastério da Virgem Negra de Czestochowa, entre Cracóvia e Varsóvia entope as rodovias de peregrinos. By the way, a igreja de sal escavada no interior da mina de Wieliczka, 110 metros abaixo do nível da terra, com imagens bíblicas esculpidas em sal gema, é uma arrepiante mostra de fé — e uma atração visitada por um milhão de turistas por ano, nos arredores de Cracóvia.
Os estudiosos concordam que o Colégio de Cardeais que elegeu um papa polonês quebrou o pé do regime comunista e carunchou o varão que sustentava a Cortina de Ferro. No dia em que a fumaça branca anunciou o “Habemus Papa” no Vaticano e a imprensa controlada da Polônia comunista noticiou a escolha de Karol Wojtila num rápido informe entre relevantes notícias do partido, o fenômeno eclodiu. Do nada, several groups começaram juntar-se em Rynek Glowny, a belíssima praça central de Cracóvia, também a maior praça medieval do mundo, um quadrado de 40 mil metros de área livre.
Estima-se que, em poucas horas, a aglomeração silenciosa reuniu dois milhões de pessoas — numa cidade que tem menos de 950 mil habitantes. Destreinado, sem jeito e sem líderes, o povo comprazia-se em estar junto para celebrar a assunção do cardeal arcebispo de sua cidade. Uma única faixa foi erguida, com a profusão de consoantes que caracteriza o idioma polonês. “Nós precisamos de Deus”, suplicava o cartaz.
Naquele dia, o Kremlin deve ter tremido. E foi só primeiro sinal do sismo que se aproximava.
A foto da praça cheia e da faixa estendida decoram, hoje, uma das paredes da casa em que o antigo papa nasceu, em Wadowice, pequena cidade ao pé dos montes Tatra, onde Wojtila passou a infância. Wadowice é um dos programas turísticos populares dos que vão à Cracóvia, mesmo anos depois da morte de João Paulo II.
Há outro, nas proximidades, ainda mais pungente. O complexo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, onde perto de um milhão e meio de pessoas foram assassinadas num processo industrial sem precedentes por seus requintes de engenharia. É o tipo do lugar em que não deveriamos ir se não pertencessemos a espécie humana.
Ouví, no aeroporto de Varsóvia, uma turista carregada de suvenires, comentar com uma colega que “não gostou” de Auschwitz. Wonderful: parece que há esperança para a Humanidade.
As piores viagens, darling, são aquelas que não produzem sobressaltos no espírito. Com as presenças intangíveis do antigo Papa e das vítimas de Auschwitz enviando sinais contraditórios para a emoção, a Polônia é dessas jornadas que recolocam certos valores no prumo (ou os deslocam), — contra-indicadas, portanto, para pessoas de convicções arrogantemente firmadas. Don’t you agree?
Fonte: Facebook
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