Ruy Castro
A hesitação é perceptível em muitos deputados. Em meio a um tórrido discurso ao microfone da Câmara, veem-se obrigados a usar a palavra "dolo" – e Deus sabe a frequência com que ela tem sido exigida ultimamente. O deputado empaca na primeira consoante. O "d" fica pendurado no ar, como se pedisse socorro à vogal que o segue, implorando para que esta resolva por conta própria a maneira correta de ser pronunciada: "dólo" ou "dôlo"?
Nenhum dos doutos parlamentares tem dúvida quanto ao significado da palavra. Segundo os dicionários, procede com dolo quem pratica qualquer ato consciente de má fé, artifício, burla, logro, malícia, chicana, fraude, manha, trapaça, treta e astúcia que conduza a erro, deslize, desvio, maquinação, complô, conluio, conjura, consórcio, conchavo, manobra ou ação criminosa. Enfim, todo o lauto menu de que a oposição – também especialista na dita prática – acusa o governo a partir de milhares de provas levantadas em investigações públicas. O problema é quando se chega à palavra "dolo".
Ao estacar na primeira letra, e incapaz de decidir-se sobre como continuar, Sua Excelência desprende um pigarro, amarfanha papéis ou fala longe do microfone, para disfarçar que está emitindo um som híbrido, entre aberto e fechado, e que tanto pode soar como "dólo" ou como "dôlo". Sua preocupação não é com os colegas de bancada, tão humanos e falíveis quanto ele, mas com os milhares de telespectadores para os quais as sessões têm sido transmitidas. Alguns poderão registrar a gafe e tachá-lo de ignorante.
Para dirimir qualquer dúvida quanto ao uso futuro da palavra, a pronúncia certa é "dólo", com o ó aberto.
E, para evitar uma possível traição da memória, sugiro um pequeno exercício mnemônico. Dolo soa como dólar. Moeda, aliás, em que ele costuma ser avaliado.
Fonte: Folha de S.Paulo - 13/04/2016
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