A diferença entre viajar e peregrinar
De volta à Londres, no raro periodo do ano que dedica a cuidar de suas petúnias e begônias, nosso incansável viajante responde a uma pergunta que vai gerar controvérsias. E, de antemão, agradece aos que não o considerarem um herége.
Caro Mr. Miles: tenho acompanhado a reportagem sobre o Caminho de Santiago que está sendo publicada no mesmo caderno onde fica sua coluna. Minha pergunta, direta: peregrinos são viajantes?
J. Miranda Almeida, por email
Well, my friend, sua pergunta é muito interessante. Em tese, peregrinações não podem ser chamadas de viagens. Pessoas que pagam promessas ou buscam a remissão baseadas em sua fé não estão, necessariamente, viajando para conhecer lugares, costumes ou pessoas. Sua meta, é alcançar algum destino por motivos espirituais, ligados ao temor e à crença em seus deuses.
Confesso, by the way, que não existe nenhuma força divina que me leve a caminhar centenas de quilômetros ou disputar o espaço com milhões de religiosos.
Nevertheless, adoro caminhar, mas sempre escolho meus caminhos em função do que quero ver e não há nada que me deixe mais espiritualizado do que uma paisagem extraordinária ou uma conversa em que possa aprender. E a única pessoa que me força a andar trechos intermináveis é minha velha amiga Felicity, de quem já falei anteriormente. Trata-se de uma neozelandêsa que, com noventa e muitos anos (não pergunto por uma questão de educação) caminha todos os anos para manter sua saúde em dia. E, frequently, demanda minha companhia.
Alguns leitores, however, devem ter notado que eu usei a expressão "em tese" no início de minha resposta. Conheço centenas de pretensos romeiros que percorrem algum dos muitos caminhos que leva à Catedral de Santiago — em homenagem ao apóstolo Sanctus Jacobus ou Saint Jacques, em francês (como o nome das deliciosas coquilles) com a ideia de fazer uma grande farra durante o trajeto. Explica-se: quem cumpre a extensa tarefa ganha o perdão. O que permite à essas pessoas que pequem à vontade durante o trajeto. Existe até o que se chama o Caminho Profano de Santiago, que inclui o pecado da gula em restaurantes diabólicos, o pecado da preguiça depois da degustação dos ótimos vinhos produzidos no norte da Espanha e, well, sometimes, o pecado da luxúria, uma luxúria sacrossanta que só peregrinos exaustos (mas com o mesmo objetivo) podem viver. A remissão ao final há de purificá-los sem dúvida nenhuma.
Nowadays, cerca de 100 mil peregrinos percorrem os diversos caminhos de Santiago a cada ano — o que não é uma obrigação religiosa. Os muçulmanos, porém, não têm alternativa. É seu dever visitar Meca, na Árabia Saudita, pelo menos uma vez na vida — quando têm saúde e capacidade financeira. Meca é a cidade sagrada onde o profeta Maomé proclamou o islamismo e onde, supostamente, ele está enterrado. Teria sido fundada por Ismael, filho de Abraão, patriarca — vejam só — tanto de judeus quanto de maometanos — o que a meu ver, é razão mais que suficiente para que esse povos compreendam sua grande proximidade.
Há cerca de 1,2 bilhões de muçulmanos no mundo, justificando a momumental concentração de gente durante o Hajj (a época da visitação), buscando espaço para dar a volta na Kabah — a pedra negra de 15,24 metros de altura — que é o simbolo mais sagrado do Islã. Meca é uma cidade proibida para os que não professam o islamismo, de modo que ainda não pude conhecê-la.
Não se pode dizer, entretanto, que um peregrino que vai à Meca seja um viajante. In my humble vision, a busca por Deus ou por algo a que damos esse nome não tem nenhuma relação com o ato de viajar. Se a primeira é determinada pelas religiões, a segunda é determinada por quem quer que seja. E, believe me, my friends: pode levar ao mesmo lugar.
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