Amanhã vai ser outro dia
Mais uma decepção sem tamanho para esta redação. O nosso
sempre solerte viajante britânico esteve em São Paulo, na semana passada, para
apresentar seus sentimentos à familia do "querido aviador e doce
empresário Jacques Goldfinger, que se foi deixando em minha memória uma parcela
importante do gosto por viajar". Pouco depois de prestar sua solidariedade
à famíia, mr. Miles encaminhava-se para a redação deste matutino quando teve
um desagradável encontro com milhares de torcedores argentinos que — sabe-se lá
como —, desconfiaram que nosso correspondente era inglês e ameaçaram investir
contra ele caso ele não gritasse que "as Malvinas são argentinas". Com toda a sua fleugma, mr. Miles
rebateu: "Of course not! E, by the way, elas chamam-se Falkland." Sua
sorte foi que uma velha amiga, passando de carro pelo local, abriu a porta para
mr. Miles e o levou para algum lugar incerto e não sabido." Fazemos votos
para que ele nos dê o prazer de sua visita ainda nesta temporada. A seguir, a questão da semana:
Olá amigo viajante. Nós que amamos viajar, amamos a cultura,
a culinária e tudo o que se relaciona com povo, será que algum dia
conseguiremos conhecer Bagdá, Mossul, Damasco, Beirute e tantas outras cidades
do Oriente Médio? Ou as suas histórias fabulosas e milenares, de terras onde
correm leite e mel e os cedros e os vinhos serão conhecidos por nós apenas
pelos livros e pelos jornais (nas páginas de guerra)? Maria Lúcia Paganelli,
por email.
Well, my dear, sua carta carrega a pior frustração que
qualquer viajante pode ter: a de, por motivos completamente alheios a sua
vontade, estar impedido de visitar lugares que, in fact, seu coração já
conhece, tantas vezes já bateu pelas cascatas de leite e mel, respirou a brisa
dos cedros e degustou a candura do vinho.
Nevertheless, essa é a cura adequada para a dor de não poder
ir. Só os que realmente conseguem embarcar na viagem de sonhos que antecipa a
jornada real podem afirmar que, mesmo sem ter feito as malas e mesmo sem ter um
carimbo no passaporte, já estiveram onde, por enquanto, é impossível estar.
Como, as you know, sou um viajante longevo, com raízes no
mais tênue amanhecer do século passado, já senti, nas mais diversas
conflagrações, a impossibilidade de chegar à cidades e regiões que o ódio
transformou em palco de guerra. Mas veja só, darling, a desimportância e a
fortuidade dessas rêfregas. Há um dia em que, cansados de empilhar mortos e ver
ruir sua própria história, os guerreiros se cansam. E o mais glorioso de tudo
isso é que as cidades — pelo menos as que valem a pena — , renascem com a mesma
velocidade que a floresta devora estradas como a vossa Transamazônica. E, more
then that, a verdade é que as populações também recuperam o viço com rapidez
inesperada.
Todas as cidades que você menciona em sua lovely letter eu
tive o prazer de conhecer em tempos melhores. Hoje, indeed, parece impossível
que voltemos a visitá-las. Mas quem apostaria, quarenta anos atrás, que seria
possível passar bons momentos no Vietnã ou no Cambodja? Ou quem daria um pennie
furado por Dubrovnik na ainda mais recente guerra do Balcãs?
Well: let's
wait and see. Como dizia meu querido amigo Francis Buarque de Hollanda,
"amanhã vai ser outro dia".
Fonte: O Estadão
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