terça-feira, 11 de janeiro de 2022

ROMANCE FORENSE

Estranhas entranhas.jpg
Charge de Gerson Kauer

ESTRANHAS ENTRANHAS
Por Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado (SP), advogado e reitor da Unorp.
eudesojr@hotmail.com



De forma sorrateira, o homem acampou nos arredores da cidade pequena onde se concentram os moradores mais simples e crédulos e que praticamente trabalham durante todo o dia.

Chamou a atenção da população porque residia em uma barraca erguida ao lado de seu velho carro e muitos pensavam que se tratava de um cigano, apelido pelo qual foi conhecido posteriormente.

Em sua tenda colocou um cartaz que o identificava como um orientador ou guia espiritual ou até mesmo benzedor e que realizava procedimentos de cura de qualquer tipo de doença.


A fama se espalhou rapidamente e os primeiros clientes começaram aparecer. Dentre eles, Joana, mulher casada, de alma rurícola, desprovida de qualquer malícia.

Relatou que sofria de um forte dor “em suas entranhas” e que havia passado por todos os médicos da cidade, sem qualquer resultado satisfatório.


O benzedor, após a entrevista, disse a ela que havia detectado a origem de sua doença e marcou retorno para sexta-feira próxima, logo após o por do sol, quando daria início a um rito de desapossamento do mal que a afligia. Porém, deveria comparecer desacompanhada.

Assim foi. Joana, sem nada dizer ao marido, se fez presente e foi encaminhada para o interior da tenda. O curandeiro ou benzedor ou mago, seja lá o que for, caminhando e recitando suas preces, determinou que ficasse nua e deitada sobre uma mesa, com a barriga para baixo para que ele pudesse introduzir a substância que preparou para sua cura.

Orando em voz alta, pediu a ela concentração e que repetisse suas palavras, num cantochão monólogo e monótono. Ora agarrava-a pelos ombros ora puxava-a pelos longos cabelos, seguido sempre de repetidos movimentos de vai e vem, num intenso crescendo em busca de um ´grand finale´ que, ao ser atingido, deixou ecoando a última nota do desconcertado canto.

Joana, assustada com aquele entusiasmo exagerado, percebeu que fora enganada e tinha sido usada sexualmente. De lá compareceu e relatou o fato à delegada de polícia, que teve ainda tempo hábil para recolher amostras do esperma do curandeiro.

Ele foi preso em flagrante delito, depois colocado em liberdade e processado por posse sexual mediante fraude. Sentiu que nenhuma bênção iria socorrê-lo. Foi quando desarmou a barraca e se mandou.

Joana, por sua vez, nunca mais reclamou de suas dores nas entranhas. Os médicos, incrédulos, acharam muita estranha a cura.

Fonte: www.espacovital.com.br

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