O PIOR DE TODOS OS MALES
Nosso solerte viajante e sua mascote Trashie comemoraram, com o melhor single malt de sua adega, a decisão da Escócia em permanecer como parte da Grã-Bretanha. Mr. Miles considera os escoceses "um tanto estranhos, já que adoram usar saias". Mas saúda o bom senso de evitar-se mais uma subdivisão "nesse planeta já tão lacerado pela praga das fronteiras". A seguir, a correspondência da semana Mr. Miles, qual é o tipo de comportamento humano mais deplorável que o senhor identifica entre os diversos povos que visita?
Marcelo Dantas, de Salvador (BA)
"Well, my friend, o ser humano é profundamente complexo e contraditório em qualquer latitude e em qualquer cultura. Não sou um juiz do comportamento de meus pares, mas, como andarilho, observador e estudioso, não há nada que me surpreenda mais do que a existência dos preconceitos raciais ou religiosos. Surpreenda, I said, embora teria sido mais indicado usar a palavra 'repugna'. Nesse caso, porém, a repugnância tem menos força que a surpresa. E explico por quê. Lutar contra o preconceito é um dever. Mas surpreender-se com ele é o caminho para resolver a questão. Não conheço uma raça sequer. Somos todos o resultado de milênios de cruzamentos. Somos todos geneticamente próximos, mas únicos. Não é impossível que haja um etíope ou otomano entre meus antepassados; não é impossível que haja um índio ou um chinês entre os seus.
Essa estultice, como tantas outras, também tem um remédio que costumo indicar: viajar sempre e com interesse. Quanto mais você conhece outros povos, mais se reconhece entre eles. Preservar valores culturais não significa negar os demais, muito menos combatê-los.
Tenho um amigo de pele morena que viaja muito pelo mundo. Nos Estados Unidos, chamam-no "chicano". Na Europa, tomam-no por argelino. Na Índia, consideram-no paquistanês. No Paquistão, tratam-no como hindu. Ele tem excelente humor. Quando menosprezado, tira o cartão do bolso e se apresenta: 'Barão Herbert von Rotkreuz', presidente de uma multinacional. É quando pequenos racistas se tornam grandes aduladores.
O cartão, of course, é uma falácia, mas garante diversão instantânea e desmascara essa gente tacanha, irremediavelmente presa às suas pequenas certezas - que significam a negação das certezas alheias. E aqui não falo, only, dos preconceitos raciais, mas dos religiosos ou culturais. Veja, for instance, a questão das mulheres muçulmanas que cobrem a cabeça e, sometimes, o corpo inteiro. Tenho várias amigas ocidentais engajadas em movimentos contra o uso da burca ou do xador, que consideram uma 'violência' contra o sexo frágil. Ninguém perguntou, however, o que pensam as mulheres que se utilizam desses trajes. E posso assegurar, com a convicção de quem perambulou por décadas pelo Oriente, que essa não é uma preocupação que aflige as senhoras das terras do Islã. Elas, by the way, acham humilhante o fato de mulheres ocidentais serem 'obrigadas' a mostrar grande parte de seus corpos.
Por fim, my friend, devo dizer que eu mesmo fui vítima de intolerável discriminação. Pior: por parte de cidadãs inglesas. Certa feita, em Barbados, fui a um night club repleto de turistas londrinas. Nenhuma delas aceitou meus polidos convites para dançar. And you know why? Ora, porque eu sou branco e inglês e elas queriam mesmo negros fortes e caribenhos. That's not fair, is it?"
Fonte: O Estadão
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