Amanhã vai ser outro dia
Olá amigo
viajante. Nós que amamos viajar, amamos a cultura, a culinária e tudo o
que se relaciona com povo, será que algum dia conseguiremos conhecer
Bagdá, Mossul, Damasco, Beirute e tantas outras cidades do
Oriente Médio? Ou as suas histórias fabulosas e milenares, de terras
onde correm leite e mel e os cedros e os vinhos serão conhecidos por nós
apenas pelos livros e pelos jornais (nas páginas de guerra)?
Maria Lúcia Paganelli, por email
Well,
my dear, sua carta carrega a pior frustração que qualquer viajante pode
ter: a de, por motivos completamente alheios a sua vontade, estar
impedido de visitar lugares que, in fact, seu coração já conhece, tantas
vezes já bateu pelas cascatas de leite e mel, respirou a brisa dos
cedros e degustou a candura do vinho.
Nevertheless, essa é a cura
adequada para a dor de não poder ir. Só os que realmente conseguem
embarcar na viagem de sonhos que antecipa a jornada real podem afirmar
que, mesmo sem ter feito as malas e mesmo sem ter um carimbo no
passaporte, já estiveram onde, por enquanto, é impossível estar.
Como, as you know, sou um viajante longevo, com raízes no mais tênue
amanhecer do século passado, já senti, nas mais diversas conflagrações, a
impossibilidade de chegar à cidades e regiões que o ódio transformou em
palco de guerra. Mas veja só, darling, a desimportância e a fortuidade
dessas rêfregas. Há um dia em que, cansados de empilhar mortos e ver
ruir sua própria história, os guerreiros se cansam. E o mais glorioso de
tudo isso é que as cidades — pelo menos as que valem a pena — ,
renascem com a mesma velocidade que a floresta devora estradas como a
vossa Transamazônica. E, more then that, a verdade é que as populações
também recuperam o viço com rapidez inesperada.
Todas as cidades que
você menciona em sua lovely letter eu tive o prazer de conhecer em
tempos melhores. Hoje, indeed, parece impossível que voltemos a
visitá-las. Mas quem apostaria, quarenta anos atrás, que seria possível
passar bons momentos no Vietnã ou no Cambodja? Ou quem daria um pennie
furado por Dubrovnik na ainda mais recente guerra do Balcãs?
Well: let's wait and see. Como dizia meu querido amigo Francis Buarque de Hollanda, "amanhã vai ser outro dia".
Fonte: O Estadão
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