sexta-feira, 2 de outubro de 2020

MR. MILES




LEMBRANÇAS DO QUE FOMOS

Prezado mr. Miles: o que é, na sua concepção, uma atração turística?
Marcelo Lotario, por email

Well, my friend: eis uma bela questão. Atrações turísticas são lugares, paisagens ou construções que distinguem-se das demais por serem especialmente belas, extraordinariamente esquisitas ou incomparavelmente tristes. Lugares que merecem ser visitados, as I see, não são, por definição, símbolos da virtude humana ou da generosidade da natureza, como muitos costumam acreditar. 

Veja bem, dear Marcelo: adoramos visitar tumbas e mausoléus, que são, of course, o repositário de mortos. Nessa categoria estão quase todas as catedrais do mundo, sob as quais repousam os ossos de celebridades ou abastados de épocas diferentes. As pirâmides do Egito, erguidas ao custo de milhares de vidas, como mausoléus de longínquos faraós, também não passam de tristes necrópoles e, é claro que sentimo-nos atraídos porque, well, são belas construções e os mortos não dizem nada aos nossos corações. Am I right?

O mesmo raciocínio aplica-se ao Taj Mahal, em Agra, um grande sepulcro construido por Shah Jahan como prova de amor pela sua esposa preferida, Aryumand Banu Began.

Pense, também nos mais magníficos museus do planeta. Todos eles têm, em seu acervo, obras de arte originárias de butins praticados em batalhas do passado, além de objetos subtraídos de povos mais ingênuos ou de gente confiscada, como os judeus na 2ª Guerra. O passado, however, não significa nada neste momento. Não há ética que resista ao passar dos anos. E, of course, não deixamos de ir aos nossos museus preferidos, mesmo sabendo que a origem de seu acervo esteja, probably, inundada de sangue.
 
Arcos monumentais, esplendidas torres e monumentos espalhados pelas cidades do mundo são, em sua maioria, a celebração de vitórias militares ou a homenagem aos mortos em batalhas. Parece incrível, my friend, mas o mundo teria menos atrações turísticas se os povos não fossem tão belicosos e a natureza fosse menos explosiva. O que seria, for instance, da maravilhosa ilha de Santorini não fosse a explosão do imenso vulcão da qual ela é apenas uma pequena borda da cratera?
 
E porque nos sentimos atraídos a conhecer Pompéia, onde corpos petrificados pelas lavas do Vesúvio testemunham, day after day, uma enorme catástrofre do passado?
 
Tenho pensado sobre essa questão sempre que vejo um palácio construido por um prncipe cruel, um deserto nascido do castigo da seca ou um moai destroçado pela força de um tsunami. São, todos eles, atrações que queremos contemplar. Para lembrarmos, perhaps, de que, de alguma forma milagrosa, somos sobreviventes de toda essa epopéia. E comemorarmos a chance de viajar por todas essas lembranças.

Fonte: O Estadão

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