CARINHOSO EM PIENZA
Por Luis Fernando Verissimo
(republicação)
O umbigo foi sempre um problema
para a arte religiosa. Era impossível retratar Adão e Eva no Paraíso sem seus
respectivos e anacrônicos umbigos
Não aguento mais esses cronistas
que escrevem como se seu umbigo fosse o centro do Universo quando todo o mundo
sabe que o MEU umbigo é que é o centro do universo. Ele é o centro constante
das minhas atenções como o centro do meu corpo, e onde ele vai eu vou junto, e
vice-versa, certo de que todos se interessarão pelas nossas venturas e
desventuras. O assunto do cronista é sempre o próprio cronista. Ou seu próprio
umbigo e suas circunstâncias.
Digressão: o umbigo foi sempre um
problema para a arte religiosa. Era impossível retratar Adão e Eva no Paraíso
sem seus respectivos e anacrônicos umbigos — prova física da existência de
partos ortodoxos em algum momento da criação. A solução foi chamar os primeiros
umbigos de marcas do dedo de Deus, o lugar em que o Criador cutucou Adão e Eva
e os instigou a viverem e se multiplicarem, aquela história.
Achei que gostaram de saber que
eu e meu umbigo andamos pela Toscana nas férias, entre Montalcino,
Montepulciano, San Quirico, Siena, Pienza e outras cidades mágicas, e que na
praça principal de Pienza nos aproximamos de uma dupla que tocava chorinho —
ela, com cara de brasileira mas italiana, na flauta, ele, com cara de europeu
mas brasileiro, no violão. Já tinha nos impressionado o número de brasileiros
encontrados em toda parte. Em Pienza, quando a dupla começou a tocar
“Carinhoso”, toda a praça cantou junto. Ou foi uma alucinação minha, fruto,
quem sabe, do “Brunello” do almoço, ou havia mais brasileiros na Toscana do que
imaginávamos.
Fonte: O Globo
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