Estava eu posto em sossego num
restaurante, em doce enlevo com umas trufas, quando notei que me achava na alça
de mira de uma deusa de idade indefinida – aposte em qualquer escore entre os
30 e os 45 anos e você acerta. Como ela se encontrava acompanhada de seu dono e
senhor, concentrei-me primeiro no prato e em seguida na recordação desta
despretensiosa teoria (e por que não prática?) da secada, pois é disso que
volto a tratar: há muito descobri que é inesgotável.
Sou estudioso dessa esquecida
ciência há décadas. Se meu leitor é vítima da infinita dissimulação das
mulheres, algo que elas aprendem desde o berço, sabe do que estou falando. Você
desce por exemplo uma escada rolante e, bem ao lado, só que no sentido
contrário, sobe uma daquelas perfeições que só existiam na Grécia antiga ou em
filmes franceses proibidos até 18. Ela o coloca bem no foco de seu olhar e aí
vai se distanciando, sem dó nem piedade, para o nunca mais.
Tem a dissimulada, uma criatura magnífica, que te fita como me fitou a deusa do restaurante das trufas, mas mantêm a mão na do marido (Fred Bongusto compôs uma esplêndida canção sobre esse secreto triângulo). Há a que te olha intensamente, quase como numa intimação, em uma rua movimentada, e aí percebes que ela desapareceu na entrada de uma imensa loja, de uma galeria, de um shopping, e jamais tornará a encontrá-la.
Existe a que fala por gestos: ela
não apenas te olha, mas mexe nos cabelos e, por alguma estranha razão, toca a
própria nuca, como se esta fosse a sede e o foro de todos os seus interditos
desejos. E não esqueço a tímida, que concede não mais que um canto de sua
atenção, em miradas súbitas e logo envoltas em fingimento.
Quando eu era adolescente, havia
algo que se chamava reunião dançante. Era assim: os rapazes, com seus ternos de
nycron e gravata e suas cubas libres, ficavam de um lado da sala da qual fora
retirado previamente o tapete; as meninas se postavam na outra breve
extremidade, com seus sapatos altos, seus penteados esculpidos em laquê e seus
refris. Você jamais se atrevia a transpor aquele território de assoalho, que
brilhava graças à cera Parquetina, sem estar absolutamente convicto de que a
eleita de seu coração correspondia às suas secadas.
Eram outros tempos, em que a
gente não ousava sequer tocar em certos temas ou em certas regiões da natureza
humana.
Eram tempos em que, ao som de The
Platters, de Sinatra ou de Perry Como, rapazes e meninas exercitavam suavemente
sobre o parquê, além da teoria e prática da secada, o brando esporte do rosto
colado, e se você não sabe o que é isso perdeu metade de sua vida.
Fonte: Zero Hora
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