terça-feira, 10 de novembro de 2020

ROMANCE FORENSE

(Charge de Gerson Kauer)
"DOUTOR ESPIRAL", O JUIZ DAS PILHAS...

Juiz de entrância final, o "Doutor Filho" era um "pai" para advogados, estagiários, servidores etc quando se tratasse de deixar correr um papo-furado no seu gabinete. Já para prestar jurisdição, a diferença era abissal.

Audiências de instrução, ele não gostava de realizar. Marcava uma solenidade prévia de conciliação - e se o acordo não fosse celebrado, determinava que os autos voltassem "conclusos". E assim o processo ia para uma pilha especial, no gabinete, onde repousava semanas e meses.

O magistrado também não gostava de sentenciar. Enfim era - como definia um ex-presidente da associação de classe - "um juiz que não gosta de processos".

Nesse contexto, sempre que no topo da pilha surgisse um processo complicado, o doutor Filho lançava um despacho evasivo: "comprovem as partes, reciprocamente, a legitimidade ativa e passiva". E assim se perdia no mínimo um mês ou mais.

- "É o juiz das pilhas" - admitiam os servidores, no que eram parcialmente contestados pelos advogados que também criavam outros apelidos.

Certo dia, um advogado (o "Doutor Heitor", OAB de número três mil e pouco)  caprichou numa petição em papel bem mais grosso, com letras garrafais, impressas em vermelho: "As partes já cansaram de peticionar; por isso, diga agora o juiz quando vai prolatar a sentença".

O juiz "Dr. Filho"  levou um choque. Para livrar-se do problema, ele encaminhou, então, seu pedido de férias atrasadas, prontamente deferidas pela Corregedoria, que designou para a substituição o "Dr. Jorge", jovem juiz recém chegado à comarca da capital. Quando o magistrado titular passou a jurisdição ao novel juiz, aquele fez a este um discreto mas objetivo pedido:

- "Sentencie, por favor, este processo, senão vou ter que me dar por impedido".

Constrangido, o jovem magistrado atendeu à solicitação ainda na primeira semana da substituição, resolvendo a lide que há dois anos dormitava em idas e vindas.

Um mês depois, o "Dr. Filho" voltou à titularidade da vara e à rotina do "diga o autor", "diga o réu". Menos nos processos do "Dr. Heitor" que, sempre, eram expeditamente sentenciados.

O "Dr. Filho" aposentou-se e até hoje é lembrado pelo escrivão como "o doutor Espiral"...


Fonte: www.espacovital.com.br

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