terça-feira, 13 de outubro de 2020

ROMANCE FORENSE

Charge de Gerson Kauer
QUANDO O PRECONCEITO VESTE TOGA

A trabalhadora - demitida sem justa causa - reclamava horas extras porque, depois do expediente e após bater o ponto, era rotineiramente obrigada a, na seção de consertos, passar a ferro as roupas que usara durante o horário de expediente.

- Vejamos se entendi bem - afirmou a juíza, dirigindo-se à preposta da empresa reclamada. A senhora disse que a reclamante foi despedida porque habitualmente não passava, antes de ir embora, as roupas que tinha usado durante o expediente? - prosseguiu.

- Sim, isso mesmo - confirmou a representante de conceituada loja de roupas finas e calçados femininos situada perto do prédio da Justiça do Trabalho da cidade. 

- Então, quer dizer que muitas peças são usadas pelas vendedoras antes de serem vendidas? Usam, passam e depois novamente as etiquetam, como se fossem novas? - insistiu a magistrada.

- Sim, em especial as mais básicas, que sempre parecem iguais. E a vendedora tem que aceitar a regra de tirar e passar as roupas que usou, senão não fica na empresa – completou a preposta.

A juíza matutou durante alguns segundos e surpreendeu a todos, quando começou a ditar à digitadora, para que constasse na ata:

- Estou me declarando impedida para prosseguir atuando no feito. Como mulher e consumidora da loja reclamada, me sinto lesada. Comunique-se à Corregedoria, sugerindo-se seja designado um magistrado homem para instruir e julgar a presente demanda. Aos órgãos de defesa do consumidor, expeçam-se ofícios, para a adoção das medidas cabíveis.

Em seguida, o advogado da reclamada ousou tecer um comentário:

- Só falta a senhora pedir para a Corregedoria designar um homem meeeesmo...

- Doutor, o senhor está insinuando que... - a juíza questionou, reticente.

- Não, excelência, eu não estou sugerindo nada. Foi a senhora quem distinguiu homens e mulheres, e a clientela da reclamada não é somente feminina - o advogado finalizou com perspicácia.

Poucas semanas depois, a Corregedoria rejeitou o impedimento da magistrada e determinou que ela continuasse presidindo o feito. 

Fonte: www.espacovital.com.br

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