Ruy Castro
Estivesse entre
nós, ninguém mais surpreso com a atual explosão de "O Grande Gatsby"
do que seu autor, F. Scott Fitzgerald (1896-1940). Afinal, em vida de Scott,
"Gatsby", lançado em 1925, vendeu uma mixaria e ninguém o chamou de
obra-prima. Quase 90 anos depois, por causa de um filme, o livro se vê um
best-seller mundial. Só no Brasil acabam de sair seis edições diferentes.
Tudo bem. Scott caiu em domínio
público e, para a literatura, quanto mais Fitzgerald, melhor. Seu lento
reconhecimento coincide com a perda de substância de Ernest Hemingway
(1899-1961) entre os críticos. Custou. Em boa parte do século 20, Hemingway,
com sua escrita macha e seca, teve muito mais prestígio e sucesso do que Scott,
cujas bordaduras verbais se volatizaram quando a era do jazz e dos diamantes do
tamanho do Ritz saiu de moda.
Nos anos 50, o próprio Hemingway,
do alto de seus Pulitzers e Nobéis, parecia estar salgando o cadáver de Scott
ao dizer, "Literatura é arquitetura. Não é decoração de interiores".
Ele era o arquiteto; Scott, o decorador. E, de fato, Hemingway era Gertrude
Stein; Fitzgerald, Edith Wharton. Hemingway significava boxe, touradas e matar
elefantes; Fitzgerald, garotas douradas e meninos ricos e tristes. Pena
Hemingway ter apontado aqueles dois canos contra si mesmo antes de ver Scott
ressuscitar e ultrapassá-lo com a sensibilidade e beleza de sua prosa.
Inspirados no filme, Brooks
Brothers, Prada, Gucci, Armani, Ralph Lauren e Tiffany estão levando
"Gatsby" para seus ternos, vestidos, joias. A moda ameaça estender-se
a carros, casas e --perdão, Ernest-- decoração. Se for o preço a pagar para que
se leia mais Fitzgerald, nada a opor.
Só não me façam ver o filme.
"O Grande Gatsby" em 3D equivale a "Lolita" como novela das
sete ou "A Divina Comédia" em desenho animado.
Fonte: Folha de S. Paulo
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